quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As distorções pentecostais do Cristianismo

O movimento pentecostal começou nos EUA (início do século 20) a partir de experiências místicas acompanhada de uma releitura de Atos 2. Logo se espalhou pelo Ocidente, em especial, nos países periféricos do capitalismo central. Carregado de sensacionalismo, fábulas, emocionalismo, espontaneísmo e “coisas extraordinárias”, as pessoas foram aderindo às pencas em busca de um “milagre” que poderia ser um novo emprego, um marido para casar, uma casa, um carro novo, uma cura física, enfim, o desejo de encontrar um deus que pudesse ser um servo dos seus desejos e necessidades mais urgentes. Os seus ideólogos pregavam que bastava a fé e um novo batismo e o “deus de promessas” derramaria uma “chuva de bênçãos” na vida do crente. Sem dúvida, era demasiadamente atraente a pregação pentecostal e ainda hoje o é, basta ver as estatísticas.


Uma das características do pentecostalismo – incluindo o chamado neopentecostalismo – é sua proliferação através de movimentos de rupturas e dissidências. Aqui mesmo no Brasil, ele começou com a Assembleia de Deus e Congregação Cristã no Brasil, mas logo se multiplicou em inúmeras denominações nas mãos de pastores, bispos, apóstolos, profetas e novos messias: Casa da Benção, Evangelho Quadrangular, INSJC, O Brasil para Cristo, Igreja Universal, Igreja da Graça, Sara Nossa Terra, as diversas “renovadas” etc. Somam mais de 35 mil nomes!


Qual é a base central das doutrinas pentecostais? Para além daquilo que se convencionou chamar de fé protestante, dois são os pontos chaves, deixando de lado os acessórios inúmeros e até criativos: batismo com o Espírito Santo e o dom de falar em línguas estranhas. Essas são duas marcas essenciais em qualquer igreja desses grupos religiosos.


Os pentecostais acreditam que é a verdadeira igreja primitiva, uma ressurreição dos tempos apostólicos onde o Espírito Santo atuava com mais plenitude. Nesse raciocínio, as igrejas protestantes e reformadas eram vistas como espaços “sem o poder do Espírito Santo”, cristãos “não avivados”, portanto, mortos.


Essa concepção de que os outros são “cristãos mortos” é estranha ao Novo Testamento, aliás, como diversas outras doutrinas pentecostais. Vejamos o que diz Paulo em Romanos 8:15:

Porque o Espírito que vocês receberam de Deus não torna vocês escravos e não faz com que tenham medo. Pelo contrário, o Espírito torna vocês filhos de Deus; e pelo poder do Espírito dizemos com fervor a Deus: "Pai, meu Pai!"

O Espírito que vocês receberam (está no passado!), portanto, todos aqueles que clamam a Deus com fervor assim o fazem sob o poder do Espírito, pois estes receberam de Deus o Espírito. Não há mais medo e nem escravidão, mas liberdade.


Na primeira carta aos Coríntios (3:16), Paulo confirma:


Certamente vocês sabem que são o templo de Deus e que o Espírito de Deus vive em vocês.


Certamente, todos os que creem são habitados pelo Espírito divino, portanto, onde está à necessidade de outro batismo, um “batismo do Espírito Santo”, se cremos em Jesus e cremos em Deus?

O chamado dom de línguas tinha uma utilidade fundamental nos tempos primitivos do Cristianismo, pois ajudava a unir quatro grupos diferentes:

a) os que vinham do judaísmo, Atos 2;

b) os samaritanos, Atos 8.17;

c) os gentios, Atos 10.46;

d) os discípulos de João Batista, Atos 19.6;


Além disso, o falar em línguas estrangeiras sem conhecimento prévio destas (xenoglossia) era um sinal extraordinário da presença de Deus naqueles apóstolos, dando um testemunho da verdade de sua mensagem eterna, pois “havendo línguas cessarão” (1Cor 13:18). Esse dom de línguas do Novo Testamento é coisa bem diferente das gritarias e expressões esquisitas que desde a criação do movimento pentecostal chamam de “dom de línguas”.

 

Durante as reuniões da igreja, dois ou três tinham a permissão para falar em línguas, um por sua vez, e a mensagem tinha que ser traduzida, para que o restante da igreja pudesse entender. Quão diferente disso é o que vemos hoje! Ao invés de idiomas reais, ouvimos tolices – meros sons sem sentido – e com frequência, na confusão de muitas pessoas tagarelando ao mesmo tempo. Isso é caos, não o Espírito de Cristo. Por favor, que ninguém lhe engane sobre isso[1].

 

O pentecostalismo se coloca como um “cristianismo de experiência”, uma vivência íntima com o Espírito Santo. A maioria pentecostal tem ojeriza pela reflexão teológica racional, pois os sentimentos e as experiências (o “testemunho pessoal”) são mais importantes, porque “Deus fala diretamente comigo”.

 
Como debater com alguém que fala e sabe diretamente o que Deus deseja?[2] Que tem revelações especiais e particulares? Abre-se aí um caminho para um misticismo alienado e sem nenhuma razoabilidade, onde o Espírito e suas relações íntimas com o crente ficam acima do testemunho das Escrituras, da tradição teológica e da razão.

 
A partir desse conjunto de doutrinas estranhas ao Novo Testamento e ao Cristianismo, o coronelismo, o autoritarismo, o mandonismo e diversas formas de opressão se espalharam nessas igrejas pentecostais, pois quem ousa questionar um “apóstolo de Deus”? Uma pessoa que é “ungida do Senhor”? A manipulação é um dos pontos mais tristes, pois o Cristo que liberta passa a ser usado como escudo para erguer um novo tipo de escravidão absolutamente contrária ao Evangelho:


Cristo nos libertou para que nós sejamos realmente livres. Por isso, continuem firmes como pessoas livres e não se tornem escravos novamente. (Gálatas 5:1)

 
            

Aqueles que têm fé já tem o Espírito (cf. Rm 8:9 e 1Cor 12:13) e não necessitam de nenhum “batismo de fogo” transcendental. Somos livres e não queremos uma nova escravidão imposta por doutrinas estranhas ou por líderes carismáticos-populistas. O nosso chamado é para viver o amor, servindo-nos mutuamente, movidos pelo Espírito do Cristo formamos um só corpo que é a Igreja de Cristo.

 

Assim, também, todos nós, judeus e não-judeus, escravos e livres, fomos batizados pelo mesmo Espírito para formar um só corpo. E a todos nós foi dado de beber do mesmo Espírito.(1Cor 12:13)

 

Porém vocês, irmãos, foram chamados para serem livres. Mas não deixem que essa liberdade se torne uma desculpa para permitir que a natureza humana domine vocês. Pelo contrário, que o amor faça com que vocês sirvam uns aos outros.(Gálatas 5:13)

 
Por último, o aspecto mais tenebroso do pentecostalismo é seu medievalismo teológico. Ele ressuscitou o diabo que agora vive assombrando as pessoas e criando terror psicológico na mente de muitos cristãos de boa fé. Nas igrejas pentecostais, a primeira impressão que temos é que Deus está sem as rédeas do processo histórico (individual e coletivo), que o Reino de Deus é muito fraco e que o soberano senhor é o diabo. Satanás passa a ser o faz tudo e as pessoas de fé devem viver uma vida de ásperas lutas contra o chifrudo, sem paz interior.

A carta de uma senhora de idade encaminhada ao reverendo Jonh MacArthur Jr é um testemunho inequívoco do que o pentecostalismo pode fazer com uma pessoa:

“Você sabe que vivemos toda a nossa vida nesse movimento e uma coisa que domina esse movimento é isso: que Satanás é soberano. Se você adoece, foi o diabo. Se seu filho fica doente, foi o diabo. O diabo fez seu filho adoecer. E mesmo que seu filho morra, Satanás de alguma forma tem a vitória. Se o seu cônjuge, seu marido ou esposa desenvolve um câncer, foi o diabo que fez isso. Se você sofre um acidente, o diabo fez isso. Se perde o seu emprego, foi o diabo também. Se as coisas não saem da forma como você queria na sua empresa ou família, e você termina perdendo o seu emprego ou se divorciando – o diabo fez tudo isso. O diabo precisa ser amarrado e assim, você precisa aprender essas fórmulas, pois você tem que prender o diabo, ou ele realmente irá controlar tudo em sua vida. O diabo domina tudo, e ele é assistido por essa força massiva de demônios que devem ser confrontados também, e você precisa fazer tudo o que pode para tentar vencer esses poderes espirituais, e como eles são invisíveis, rápidos e poderosos, é realmente impossível que você lide com eles de uma vez por todas, de forma que essa é uma luta contínua e incessante com o diabo.

 
Eu vivia com palpitações no coração, ataques de pânico, ansiedade, pesadelos – andando no meio da noite com medo que o diabo poderia estar fazendo algo com meu filho, quando ele ia se deitar. Eu vivia nesse constante terror do que Satanás estava fazendo; quando a pessoa errada era eleita, foi Satanás quem o colocou ali. Quando a sociedade tomava certa direção, era tudo sob o controle de Satanás. Satanás é realmente o soberano de todas as coisas e é muito difícil tirar o controle dele – mesmo Deus está retorcendo Suas mãos, tentando obter o controle dessa situação. Eu vivia com esse medo e terror, pois levava minha igreja [pentecostal] muito a sério”.

 

Eu creio em Cristo, creio na vitória final de todo o bem (pós-milenismo), creio que todas as pessoas de fé já têm o Espírito Santo em seu coração e que Deus está no governo de todas as coisas, repito, todas as coisas, mesmo aquelas que me parecem estranhas, mesmo quando não encontro uma compreensão adequada ao meu conhecimento humano, por isso mesmo, jamais poderia crer em diabos que tudo governam.

 

Observação: O meu objetivo com esse pequeno texto é esclarecer um posicionamento teológico, por favor, não interpretem como uma ofensa pessoal a um pentecostal ou como um gesto antiecumênico. Tenho vários amigos e amigas que são membros de igrejas pentecostais e nossa amizade não anula meu direito de discordar de tais doutrinas.

 

 

 



[1] Retirado de um estudo do monergismo.com
 
[2] Perceba que nesses casos, os estudos bíblicos se tornam desnecessários, pois o pentecostal sabe diretamente de Deus o que é bom para ele, aquilo que é correto e santo, até mesmo previsões do futuro (chamadas de “profecias”).

Quando sentimos o desprezo do Outro

Nem sempre os nossos nos dão o devido valor, aliás, em geral, é justamente entre as pessoas que nos conhecem (amigas/os, vizinhos e familiares) que recebemos as críticas mais ácidas, as desconfianças mais infelizes e as expectativas mais vacilantes. Foi assim com Jesus.

Depois de contar muitas histórias para seus discípulos e populares, ele regressou a sua terra natal, a cidade de Nazaré. Lá ele foi ensinar na sinagoga local e muitos ficaram impressionados com sua sabedoria e seu poder de operar milagres, pois não passava de um filho de carpinteiro com Maria, seus familiares eram conhecidos e moravam na localidade.

“Como pode um Zé Ninguém filho de gente pobre aqui da cidade ser um sábio e fazer milagres?”

O que Jesus sofreu, muitos de nós continuamos a sofrer ainda hoje. O preconceito, o desvalor e as tentativas várias de desmerecer nosso esforço, conhecimento, relação com Deus e princípios ético-espirituais.

“Quem ele pensa que é? E o desprezavam.”[1]

Jesus reconhece o problema, sente o preconceito e a ignorância deliberada. Aquele povo não queria enxergar a luz, o amor e a sabedoria que estava diante deles. O que prova que nem sempre ver é crer, pois eles viram, ouviram e ainda assim, não acreditaram na mensagem profética que Jesus, o Messias, era portador encarnado. O Deus de amor sofre o desprezo.

“Um profeta não é importante em sua terra e em sua família, nas ruas em que brincou quando criança.”

Assim foi com Jesus e assim pode ser conosco. E justamente por conta da indiferença e hostilidade do povo daquela localidade (“falta de fé” em algumas traduções), não fez ali muitos milagres. Realmente, com tal ambiente nem seria mesmo possível algo extraordinário, pois o extraordinário só se faz possível em ambiente de fé e acolhimento, não onde há o desprezo.

Oração: Deus querido, ajuda-me a resistir diante dos preconceitos e agir com energia e compaixão diante da hostilidade, do desprezo e da ignorância de muitos. Tu mesmo Senhor Jesus sentiu isso na pele, então, auxilia-me nesta hora e realiza em mim o milagre do teu amor e acolhimento. Amém.



[1] Tradução “A Mensagem” (Editora Vida) em Mateus 13:53-58 com o uso combinado da tradução “Nova Bíblia Viva” (Mundo Cristão Editora).

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Tarefas do Cristianismo de Libertação (II): modernidade e idolatria [do mercado]


No artigo anterior, eu apresentei a ideia de que o atual Império global domina por sedução, fascinação, ao mesmo tempo em que impõe medo e a ideia de que não há alternativa ao sistema de mercado capitalista. Características de um sistema sagrado, que por ser sagrado exige sacrifício de vidas humanas. (Sagrado exige sacrifício, enquanto o Deus da Bíblia quer misericórdia em lugar de sacrifico. Os profetas chamaram o deus/sagrado que exige sacrifício de ídolo.) Diante deste tipo de capitalismo, que Marx chamou de "religião da vida cotidiana" fundada na fetichização da mercadoria e do capital, a crítica da religião se tornou novamente a condição preliminar de toda crítica.

Sem dúvida, uma das críticas mais potentes contra esta "idolatria do mercado" foi feita por alguns teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Jon Sobrino e Júlio de Santa Ana. Infelizmente a maioria destes livros está fora do catálogo das editoras e é pouco discutida ou estudada pelas novas gerações. Muitas das discussões no campo da teologia não consideram o atual sistema econômico-social como um tema teológico (no máximo como um tema da ética social ou da doutrina social), e, por outro lado, muitos dos cientistas sociais críticos não percebem o caráter sacral e religioso do atual sistema global. Entre cientistas sociais mais conhecidos no Brasil, Michael Löwy é um dos poucos que aprofundaram essa questão.

Esta separação ou distinção entre a teologia/ciências da religião e as ciências sociais como dois campos de conhecimento autônomos e independentes dificultam a compreensão mais acurada e crítica do caráter religioso do capitalismo, que Marx, M. Weber e W. Benjamin, entre outros mestres do passado, já haviam apontado. Por isso, eu penso que um dos passos fundamentais para fazermos uma crítica teórica da idolatria do mercado é repensar a própria concepção da razão e do fazer ciência gestada no mundo moderno.

Para entender melhor este desafio, é preciso primeiro criticar ou repensar a própria concepção do que é a modernidade. Normalmente a modernidade é compreendida e também criticada pela pretensão de construir um mundo baseado na razão e pela proposta de emancipação da humanidade ou de revolução libertária. A crítica pós-moderna se concentra na crítica da razão moderna e na pretensão de construir um "novo" mundo a partir da noção de revolução.

O problema é que nós assumimos a noção de modernidade que o próprio mundo Ocidental e moderno, através dos seus intelectuais, pintou sobe si, isto é, assumimos a ideologia do mundo moderno como a "verdade" sobre a modernidade. Se olharmos bem, veremos que a modernidade foi construída sobre a exploração colonial do continente que eles chamaram de América. Para acumular ouro e prata, escravizaram primeiro os nativos do Continente e depois os negros da África. Não satisfeitos com milhões de mortes causadas em nome da acumulação "racional" da riqueza/capital, colonizaram também os países da África e da Ásia. Em resumo, no outro lado da razão moderna está o irracionalismo de genocídios em nome da acumulação do capital-ouro; o lado luminoso da ilustração esconde o lado obscuro da modernidade, o seu lado irracional, sacrificial e opressivo. Muito antes do holocausto - que no fundo é resultado extremado da razão moderna - a Europa moderna já tinha causado genocídios na África, América e Ásia. Genocídios esses que pouco escandalizaram a Europa por serem de povos considerados inferiores pela razão moderna.

A base material da ilustração-razão moderna foi construída com a conquista, escravidão e exploração. Como Dussel já mostrou, a afirmação que iniciaria a modernidade, "Penso, logo sou!", foi procedida e tornada possível por "Conquisto, logo sou!"

Eu penso que a separação radical entre assuntos teológicos e sociais, entre a dimensão religiosa e a racional da sociedade, tem a ver com esta tentativa de esconder o lado irracional, sacrificial, idolátrico da modernidade do seu lado aparentemente racional e ilustrado.

O mundo moderno não é antirreligioso. Ele é contra religiões que se opõe à racionalidade da acumulação do capital e utiliza-se das religiões ou grupos religiosos que servem ao seu objetivo. Pior ainda, cria sua própria religião, que é expressão social do seu espírito idolátrico.

Sem uma compreensão crítica da modernidade e, portanto, também dos equívocos ou insuficiência das críticas pós-modernas e da própria noção de pós-modernidade, não podemos repensar a relação entre teologias críticas e teorias sociais críticas e fazer uma crítica teórica séria da idolatria do mercado.

Autor do texto: Jung Mo Sung [Co-autor, junto com Hugo Assmann, do "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres", Paulus].

Fonte: ADITAL/Publicado no domingo, 13 de março de 2011 - 21h57min
 
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tempo em que impõe medo e a idéia de que não há alternativa ao sistema de mercado capitalista. Características de um sistema sagrado, que por ser sagrado exige sacrifício de vidas humanas. (Sagrado exige sacrifício, enquanto Deus da Bíblia quer misericórdia em lugar de sacrifico. Os profetas chamaram o deus/sagrado que exige sacrifício de ídolo.) Diante deste tipo de capitalismo, que Marx chamou de "religião da vida cotidiana" fundada na fetichização da mercadoria e do capital, a crítica da religião se tornou novamente a condição preliminar de toda crítica.

Sem dúvida, uma das críticas mais potentes contra esta "idolatria do mercado" foi feita por alguns teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert, Jon Sobrino e Júlio de Santa Ana. Infelizmente a maioria destes livros está fora do catálogo das editoras e é pouco discutida ou estudada pelas novas gerações. Muitas das discussões no campo da teologia não consideram o atual sistema econômico-social como um tema teológico (no máximo como um tema da ética social ou da doutrina social), e, por outro lado, muitos dos cientistas sociais críticos não percebem o caráter sacral e religioso do atual sistema global. Entre cientistas sociais mais conhecidos no Brasil, Michael Löwy é um dos poucos que aprofundaram essa questão.

Esta separação ou distinção entre a teologia/ciências da religião e as ciências sociais como dois campos de conhecimento autônomos e independentes dificultam a compreensão mais acurada e crítica do caráter religioso do capitalismo, que Marx, M. Weber e W. Benjamin, entre outros mestres do passado, já haviam apontado. Por isso, eu penso que um dos passos fundamentais para fazermos uma crítica teórica da idolatria do mercado é repensar a própria concepção da razão e do fazer ciência gestada no mundo moderno.

Para entender melhor este desafio, é preciso primeiro criticar ou repensar a própria concepção do que é a modernidade. Normalmente a modernidade é compreendida e também criticada pela pretensão de construir um mundo baseado na razão e pela proposta de emancipação da humanidade ou de revolução libertária. A crítica pós-moderna se concentra na crítica da razão moderna e na pretensão de construir um "novo" mundo a partir da noção de revolução.

O problema é que nós assumimos a noção de modernidade que o próprio mundo Ocidental e moderno, através dos seus intelectuais, pintou sobe si, isto é, assumimos a ideologia do mundo moderno como a "verdade" sobre a modernidade. Se olharmos bem, veremos que a modernidade foi construída sobre a exploração colonial do continente que eles chamaram de América. Para acumular ouro e prata, escravizaram primeiro os nativos do Continente e depois os negros da África. Não satisfeitos com milhões de mortes causadas em nome da acumulação "racional" da riqueza/capital, colonizaram também os países da África e da Ásia. Em resumo, no outro lado da razão moderna está o irracionalismo de genocídios em nome da acumulação do capital-ouro; o lado luminoso da ilustração esconde o lado obscuro da modernidade, o seu lado irracional, sacrificial e opressivo. Muito antes do holocausto -que no fundo é resultado extremado da razão moderna-, Europa moderna já tinha causado genocídios na África, América e Ásia. Genocídios esses que pouco escandalizaram a Europa por serem de povos considerados inferiores pela razão moderna.

A base material da ilustração-razão moderna foi construída com a conquista, escravidão e exploração. Como Dussel já mostrou, a afirmação que iniciaria a modernidade, "Penso, logo sou!", foi procedida e tornada possível por "Conquisto, logo sou!"

Eu penso que a separação radical entre assuntos teológicos e sociais, entre a dimensão religiosa e a racional da sociedade, tem a ver com esta tentativa de esconder o lado irracional, sacrificial, idolátrico da modernidade do seu lado aparentemente racional e ilustrado.

O mundo moderno não é anti-religioso. Ele é contra religiões que se opõe à racionalidade da acumulação do capital e utiliza-se das religiões ou grupos religiosos que servem ao seu objetivo. Pior ainda, cria sua própria religião, que é expressão social do seu espírito idolátrico.

Sem uma compreensão crítica da modernidade e, portanto, também dos equívocos ou insuficiência das críticas pós-modernas e da própria noção de pós-modernidade, não podemos repensar a relação entre teologias críticas e teorias sociais críticas e fazer uma crítica teórica séria da idolatria do mercado.

[Co-autor, junto com Hugo Assmann, do "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres", Paulus].
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=22&noticiaId=1838

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Esse deus é um demônio

O aumento da intolerância contra a comunidade LGBT – por vezes, com manifestações veladas, piadas e pequenas exclusões – é um sinal de que as forças do retrocesso se encontram em desespero diante do avanço de políticas públicas igualitárias (ainda que tais avanços sejam precários e vacilantes). É uma reação compreensível, mas que deve ser denunciada como maligna na medida em que espalha o ódio, a exclusão e tudo isso, em nome de deus, tal como fazem os líderes do biblicismo mais radical e legalista - repetindo os fariseus de outrora.

Que deus demoníaco[1]é esse dos chamados fundamentalistas? Sem dúvida, não é o Deus de Jesus Cristo que nos ensinou a síntese de toda a Escritura: "ame o Senhor, seu Deus, com todo o coração, com toda a alma, com todas as forças e com toda a mente. E ame o seu próximo como você ama a você mesmo." (Lucas 10:27) Em Cristo, podemos ver Deus e perceber que Ele é bondade, amor, perdão, compaixão e humildade, um Deus que lava os pés de homens rudes e pecadores.

Esse é o ponto central de toda a Bíblia, a boa notícia: Deus é amor[2]. E é por esse axioma que devemos iluminar qualquer hermenêutica que se pretenda cristã. Agir homofobicamente, pregar preconceitos, distorcer a verdade maior do amor e justificar-se em Deus é blasfemar contra Ele que nos diz:

“Não use o meu nome sem o respeito que ele merece; pois eu sou o SENHOR, o Deus de vocês, e castigo aqueles que desrespeitam o meu nome”. (Êxodo 20:7)

Os discursos preconceituosos são induções ao mal, gestos de desamor, uma contradição com o ethos evangélico. Com Jesus, aprendemos que o amor deve ser a marca de toda/o discípula/o, pois o próprio Senhor nos recomenda isso: “amemos uns aos outros porque o amor vem de Deus. Quem ama é filho de Deus e conhece a Deus”. (1 João 4:7).

O profeta Neemias enfrentou inúmeras ciladas que tentavam paralisá-lo em sua missão de construir as muralhas de defesa (Neemias 6:1), mas ele não se intimidou, pelo contrário. Sabia de sua fragilidade humana[3], mas ancorou-se em Deus.

“O que eles queriam era nos meter medo para não continuarmos o trabalho. "Agora, ó Deus, aumenta as minhas forças!"” (Neemias 6:9)

Aquelas/es que mantém sua fé em Deus diante de todas as calúnias, perseguições e ciladas são Neemias contemporâneos que não recuam diante de todos os ataques homofóbicos e da tentativa de excluir do cristianismo aquelas/es que não se enquadram nos padrões sociais de heteronormatividade. Por isso mesmo, peçamos forças ao Deus misericordioso que é pai e mãe de tod@s, para não sucumbirmos ao medo e continuarmos nosso trabalho de luta por libertação social, política, econômica e sexual.

“Eu não sou do tipo de homem que foge e se esconde. Você pensa que eu tentaria salvar a minha vida me escondendo no Templo? Eu não vou fazer isso, de jeito nenhum”. (Neemias 6:11)

Não se esconda nos templos religiosos e nos armários da vida. Saia desse gueto que tentam te colocar e venha para a vida, pois Deus é vida em abundância[4], é gozo e alegria no Espírito Santo[5]. Assim, e somente assim, a fé poderá ser não uma fonte de alienação e ocultamento, mas sustentação existencial para combatermos o bom combate[6]por outro modelo societário, com justiça, paz, igualdade, fraternidade e respeito à diversidade sexual.





[1] Penso aqui em Paul Tilich.
 
[2] “Aquele que não ama não conhece a deus; porque Deus é amor”. (1 João 4:8)
 
[3] "Não há justo, nem sequer um.Não há quem entenda; não há quem busque a Deus.Todos se extraviaram; juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só". (Romanos 3:10-12)
 
[4] “Voltem para mim a fim de que tenham vida”. (Amós 5:4)
“O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. (João 10:10)
 
[5] “Ora, o Deus de esperança vos encha de todo o gozo e paz na vossa fé, para que abundeis na esperança pelo poder do Espírito Santo”. (Romanos 15:13)
“Mas o fruto do Espírito é: o amor, o gozo, a paz, a longanimidade, a benignidade, a bondade, a fidelidade”. (Gálatas 5:22)
“... vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, tendo recebido a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo”. (1 Tessalonicenses 1:6)
“Mas alegrem-se todos os que confiam em ti; exultem eternamente, porquanto tu os defendes; sim, gloriem-se em ti os que amam o teu nome”. (Salmo 5:11)
 
[6] “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”.(2 Timóteo 4:7)

domingo, 4 de novembro de 2012

Encontrei-me com Jesus hoje!



Neste domingo (04/11/2012) fui com a Giowana ao culto da Comunidade Betel/Igreja Presbiteriana da Praia em Botafogo (Rio de Janeiro-RJ), às 19 horas.

Demorei muito tempo para tomar essa decisão de visitar esta comunidade pastoreada pelo amigo reverendo Marcio Retamero. Tenho alguns temores em relação às chamadas “igrejas inclusivas”. Algumas são apenas reproduções dos mesmos discursos pentecostais/neopentecostais com aceitação de pessoas LGBTs. Não vejo nenhuma ruptura profunda com padrões de um deus machista, patriarcal, doador/devedor de bênçãos e autoritário. Não querendo me decepcionar com meu amigo, evitava ir à Betel.

Fui. E vivi um dos momentos mais gostosos de comunhão com o sagrado na minha vida. Cristo verdadeiramente soprava pelo local onde muitos/as “excluídos/as” da vida encontrava-se com Aquele que é o amor todo inclusivo.

O culto é reverente, protestante e reformado, com direito ao uso do hinário nos moldes tradicionais (“Novo Cântico”) e cantado de forma impecável por toda a comunidade. O povo de lá gosta de cantar mesmo! Os louvores (cânticos) eram belos, as letras escolhidas com cuidado e teocêntricos na essência. A santa ceia tinha profundidade mística, sem aquela displicência comum em igrejas evangélicas. A pregação era fiel ao Espírito que perpassa as Escrituras, mas com toques de bom humor em doses corretas.

O uso da Bíblia versão Almeida (RA) não me agrada, implicância pessoal, mas fiquei feliz quando o reverendo Retamero mencionou a Bíblia “A Mensagem” que tem uma tradução mais interessante e contemporânea.

Os momentos de oração eram sublimes, recheados com leituras responsivas das Escrituras – algo que anda em desuso nas diversas denominações “evangélicas” – enquanto uma única vela branca acesa no canto direito do altar dava o tom simbólico da presença do Espírito Santo.

O piano dava um toque especial ao culto e tudo glorificava ao Senhor, incluindo o Ministério de Louvor, todos cantando com zelo pela voz, tons e notas. Por falar nisso, fico espantado como se espalha em muitas igrejas a ideia absurda de que qualquer um deve cantar no culto, sem o cuidado de ofertar o melhor da comunidade para o culto sagrado. Gritar não é cantar e histeria não é culto. O povo da Comunidade Betel/Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM) compreende bem isso.

O Credo era especial e incluía os direitos humanos, a diversidade e o amor radical pela humanidade, pois lá encontrei não uma igreja alienada, mas engajada na vida concreta. Aliás, foi emocionante orarmos juntos por todos os oprimidos, pelos empobrecidos e espoliados, pelos que sofrem com a homofobia, pelas prostitutas, pelos soropositivos e idosos/as.

Quem disse que um culto protestante ou reformado deve ser algo sisudo, frio e sem emoções? Afinal, foi a primeira vez que vi Giowana verdadeiramente tocada pelo sagrado e suas lágrimas testemunharam isso, as minhas também.

Enfim, nós saímos de lá com minha alma cheia de gozo pelo Senhor, com grande alegria diante da vida, edificados pelas leituras da Palavra e pregação (diácono Jeferson foi o profeta da noite). Preparado estou para viver mais uma semana debaixo da Sua misericordiosa Graça.

Recomendo a tod@s uma visita: http://www.betelrj.com/

 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Jesus não pregou uma religião

Sim, sei que há pessoas muito religiosas e eu mesmo já tentei ser religioso de todas as maneiras, mas hoje compreendo com mais clareza, depois de tantas reflexões históricas, sociológicas, políticas, filosóficas e teológicas que Jesus Cristo não pregou uma religião, um novo código doutrinário. Na verdade, Seu Evangelho foi, em certo sentido, profundamente rebelde a anti-religioso.


Aquele homem da Galiléia era a voz de Deus ou o Seu Verbo que veio nos chamar, mais uma vez, para a interioridade, para questões muito profundas.


Ainda hoje, muitos confundem "ser religioso" com viver uma experiência com Deus. A segunda coisa era o que Cristo pregava. Ame sua religião, pratique sua religião, mas não se torne cego para aquilo que é essencial. Não se torne um fanático fundamentalista.


Esse vídeo nos faz pensar nessas questões todas e se você deseja entrar nessa viagem, aperte "play".




Estressado, ansioso e sem tempo?

Vivemos hoje ansiosos, estressados, ocupados demais, entupidos de coisas para ler e fazer, enfim, o tempo parece cada dia mais curto. Em meio a tanta correria, precisamos apertar a tecla "pause" em nosso corpo, em nosso psiquismo, caso contrário, o desastre físico, emocional e psicológico é certo.


Hoje é feriado, dia do trabalhador, por isso mesmo, além das justas lutas políticas, socioeconômicas e culturais, podemos aproveitar esse tempo para repensarmos nosso modelo de vida dentro desse sistema. 


Qual é a relação disso com a fé, foco deste meu blog?


Neste vídeo, chamado "Silêncio na Cidade", você irá conhecer a experiência de jovens com a meditação cristã. Eles aprenderam que ser é tão importante quanto "fazer coisas".


Parece estranho? Coisa de esotérico ou de religiões do Oriente? 



Bem, o Cristianismo nasce e cresce no Oriente médio, na Palestina, mas nós perdemos o contato com nossas raízes mais profundas e vivemos "sem tempo", distantes de nós mesmos e de Deus, Seu Espírito, sua energia vital.




A proposta da meditação cristã transcende os muros religiosos que separam seres humanos, é um mosteiro ecumênico e inserido no cotidiano. Não importa seus vícios, defeitos, sua orientação sexual, se é gordo ou magro, negro ou branco, a proposta é universal. Descansar no amor de Deus, no silêncio onde Ele fala, na mais profunda auto-aceitação de si mesmo.




Este vídeo mostra os inúmeros ganhos com a prática diária de uma meditação profunda, mas simples e adaptada à nossa vida ocidental. Entre e conheça nesses 10 minutos algo que pode mudar sua vida, pelo menos, experimente vivenciar esse processo por uma semana apenas e depois sinta os resultados.




Obs. O vídeo é legendado em português, basta apertar o botão "CC" caso não apareça imediatamente.





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