quarta-feira, 11 de abril de 2012

VAMOS EXECUTAR ESSES BOIOLAS

Moisés Malacaia era um pastor "da antiga", evangélico "de berço", daquele tempo em que eram chamados de "bíblias". Tinha modos severos, terno e gravata, contra o mundanismo da TV e do rádio, rústico com as mulheres moderninhas da sua Igreja Pentecostal da Verdade de Deus escondida em Grão-Pará, nos cafundós do Rio de Janeiro.

Era um líder nato. Sua fala era cheia de gestos cinematográficos, expressões faciais teatralizadas, mas sempre objetiva, sem meias palavras e nem um pouco preocupada com o senso comum do que se convencionou a chamar de "politicamente correto". Costumava sempre repetir:

"Prego simplesmente a Palavra de Deus, nem mais, nem menos. Não gosto de teologias e nem interpretações. A modernidade está destruindo nossas igrejas e enfraquecendo a força moral do nosso povo eleito".

Chovia "glória a Deus", "aleluia", "é verdade", "o Senhor é contigo". O pastor Malacaia sorria, suavemente, sem parecer soberbo, um simples entortar de boca feliz como quem cumpre uma missão divina. Sentia-se membro de uma espécie de "Bope do Senhor Jesus" e a Bíblia era seu fuzil.

Era um domingo de fevereiro e a igreja estava vazia. Não se sabia se os fiéis amoleceram na cama com o calor - será que se entregaram aos prazeres da carne com todo esse suor de verão? - ou foram seduzidos pelas brisas demoníacas das praias cariocas. Poucas pessoas compareceram no culto das 10 horas. 

O pastor, com ares indignados contra esse relaxamento espiritual, exortou em seu sermão sobre a necessidade de fidelidade à Casa do Senhor e disciplina dos discípulos nesses "tempos de perdição". Começou a escrachar todas as formas de libertinagem do mundo que "jaz no maligno" e, especialmente, sentiu-se inspirado a falar sobre um texto que, disse ele, houvera sido "soprado pelo Espírito Santo":

"Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte" (Levítico 20:13)

Inflamou-se! Escancarou a garganta e com punhos cerrados vociferou, defendendo a morte de todos os homossexuais como um bem, um processo de expurgo social que Deus mesmo deseja. Nenhum cristão poderia admitir que tais pessoas pudessem participar de suas santas assembleias, mesmo na vida social, Deus pede a execução desses "boiolas".

Um jovem, aparentando uns 20 anos de idade e muito retraído, até então, ainda que temeroso, decidiu abrir a boca, interrompendo ousadamente o sermão do santo homem de Deus que caminhava para um desfecho apocalíptico, cheios de "aleluias".

"Pastor Malacaia, mas Levítico 20:9 diz que se eu amaldiçoar meu pai ou minha mãe devo ser executado. Se meu pai for gay, eu devo amaldiçoá-lo e executá-lo ou ele antes deve fazer isso por eu tê-lo amaldiçoado? Deus estaria ao lado de quem nesse caso?"

O pastor Moisés ficou confuso por alguns segundos, mas não se deixou abalar. 

"Claro que Deus perdoa, se você realmente é um cristão que se arrepende de ter amaldiçoado seu pai ou sua mãe. Eu te conheço, você mesmo não faria isso".

O jovem, ainda insatisfeito, questionou mais uma vez:

"Pastor, no mesmo Levítico 20:15-16 diz que relações com animais merecem execução. Devo seguir tudo que está escrito em Levítico e na Torá? Eu já ouvi dizer que algumas pessoas de nossa igreja...."

"Cale-se", disse o pastor já nervoso, "quer saber mais de teologia do que eu?"

"O senhor disse que não gosta de teologias e prega a Palavra pura de Deus, eu apenas estou querendo entender e obedecer".

Malacaia, aturdido, se endireitou no púlpito, folheou sua Bíblia, sorriu para assembléia pequenina e disse:

"Esse amado membro está confuso. Lembro a ele que o Senhor abomina relações homossexuais não somente em Levítico 20, mas também em Deuteronômio 23:17, em 1Timóteo 1:10 e 1Coríntios 6:9. A Bíblia estaria errada meu jovem?"

O garoto corou-se, mas reuniu forças e perguntou ainda mais:

"Até onde pude compreender, Deuterônomio 23:17 é contra a prostituição sagrada dos pagãos e os textos paulinos condenam a imoralidade sexual, não necessariamente a homossexualidade. A sodomia, no original grego, pode ser entendida...."

"Chega moleque! Eu sou o pastor, eu sou!"

Com leve trêmulo sorriso o jovem disse:

"Eu sou não é o nome de Deus nas Escrituras?"

"Saia daqui, se não...."

O jovem olhou fundo nos olhos do pastor e confessou de pé:

"Perdoe-me papai, mas eu sou gay, o senhor sabe disso. Creio que o amor de Deus é maior e nada poderá me separar de Cristo. Se quiser, pode me executar, aliás, sua convivência vem me executando aos poucos. Quem sabe meu sangue não possa aplacar de uma vez sua ira ou satisfazer sua fé num Deus estranho e sem misericórdia".

O pastor desmaiou e foi amparado pelos obreiros:

"Água, tragam água...."

A pequena assembléia ficou chocada. Como pode? O filho do pastor? Uma senhora disse, com ares de quem tudo sabe:

"Bem que eu sempre achei ele muito afeminado, aquela mania de cantar Aline Barros nunca me enganou".

O jovem levantou-se, manteve-se de cabeça baixa e retirou-se da igreja para lá nunca mais voltar. Seu pai, o pastor Moisés Malacaia, chorou, assim como Jesus no Horto das Oliveiras. Depois disso, nunca mais foi o mesmo. Começou a beber demais, jogar carteado pelos bares da Baixada Fluminense e abandonou os púlpitos. Deixou a mulher e seus seis filhos. Foi encontrado, pela última vez, entre os braços de uma travesti da Lapa, bêbado, sussurrando: 

"Senhor, tem misericórdia de mim, pecador".


segunda-feira, 9 de abril de 2012

O NOSSO AMOR


Gi

(Escrituras Sagradas)
Cântico dos Cânticos, 4: 1-16

"Como és formosa, minha amada, como és formosa: teus olhos são como os das pombas através do teu véu; teus cabelos, como um rebanho de cabras que vêm descendo dos montes de Galaad; teus dentes, como um rebanho de ovelhas tosquiadas que sobem do lavadouro: todas com filhotes gêmeos, nenhuma estéril entre elas.

Teus lábios são como uma fita escarlate e tua fala é doce; como a metade da romã, assim as tuas faces através do teu véu.

Teu pescoço é como a torre de Davi edificada com baluartes; dela pendem mil escudos, toda a armadura dos heróis.

Teus dois seios são como dois filhotes, gêmeos de uma gazela, pastando entre os lírios.

Enquanto não surge o dia e não fogem as sombras, vou ao monte da mirra e à colina do incenso.

És toda formosa, ó minha amada, e não há mancha em ti.

Vem do Líbano, minha esposa, vem do Líbano e entra; olha do cume do Amaná, dos cimos do Sanir e do Hermon, das cavernas dos leões e das montanhas dos leopardos.

Feriste meu coração, ó minha irmã e esposa, feriste meu coração com um só dos teus olhares, com uma só das jóias do teu colar!

Como são belos os teus amores, ó minha irmã e esposa, melhores, os teus amores, do que o vinho, e o odor dos teus perfumes supera todos os aromas.

Teus lábios, minha esposa, são favo que distila o mel; sob a tua língua há mel e leite, e o perfume de tuas vestes é como o perfume do Líbano.

És um jardim fechado, minha irmã e esposa, jardim fechado e fonte lacrada; teus rebentos são um jardim de romãs com frutos excelentes, de alfena com nardo, nardo e açafrão, canela e cinamomo, com todas as árvores de incenso, mirra e aloés, com todos os melhores bálsamos.

A fonte dos jardins é como um manancial de água corrente que flui do Líbano com ímpeto.

Desperta, vento do norte e vem, vento do sul: soprai no meu jardim, para que se difundam os seus aromas".

Palavras do Senhor, demos Graças a Deus!